Dividido entre dentro e fora, deu uma última olhada para dentro e fechou a porta. Saiu e andou. Imaginou que se não tivesse dado tantas voltas, provavelmente teria chegado a outra cidade. Alguma nem tão próxima e nem tão longe, mas sairia daquele perímetro urbano. Porém, deu voltas. Inúmeras vezes se pegou no mesmo local, parado em frente aquela mesma porta. Pensou em bater, pensou em entrar, mas de tanto pensar, acabou por não fazer nada. "Melhor assim" - pensou. Uma vez fechada a porta, o que tem pra dentro muda. Sempre muda. Afinal, não se entra duas vezes na mesma casa. Da segunda vez é outra pessoa, e outra casa. Pedindo licença poética a Heráclito. Obrigada, cara! Então resolveu olhar onde estava. Preocupou-se tanto em somente gastar a sola do sapato e esqueceu de se localizar. Parou e observou. Mais que isso, sentiu. Tocou, cheirou, olhou, saboreou, ouviu. Usou e abusou dos sentidos que a vida lhe deu e gostou. Gostou da textura, do cheiro, da vista, do gosto e da música. Havia uma harmonia de sensações. Tirou da mochila uma barraca. Nunca havia armado uma barraca antes na vida. As outras sempre foram do tipo "abriuepronto", que para montar só era preciso jogar pra cima e esperar que caísse no chão, pronta para ser habitada. Essa não. Existia um manual, que foi preciso ser lido umas cinquenta e quatro vezes para que ele conseguisse ao menos montar a primeira parte da armação. Quantos foram os momentos que, literalmente, quis chutar o pau da barraca, mas não. Refletiu, respirou e insistiu. Barraca pronta. Lembrou da porta. E só. Porta fechada. Outra aberta.
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