Um texto catártico, que me acordou se criando por entre minhas sinapses:
Naquela noite quente e clara, tudo era paradoxo: eu estava mergulhada numa imensidão escura e o material que minha mão segurava era frio, muito frio. Quase competia com o iceberg em que meu interior havia se transformado. Meus movimentos eram lentos e calmos, disfarçando o carnaval de sentimentos que turbilhava em cada pedaço de mim. Era um batuque ensurdecedor que criava ritmo para aquela última dança.
Segui em direção à janela escancarada e a lua - lembra da lua? - se permitiu aparecer por entre as grades e as nuvens negras, sorrindo um redondo sorriso amarelo, como quem se desculpa por sorrir em tal momento inadequado. Encarei aquele sorriso e também sorri. Mas um sorriso de devaneio, de quem já havia passado à outra dimensão. E acariciei a argola da matéria fria, com a ponta do indicador direito. Tamanha delicadeza, para soberba brutalidade. Trouxe aquilo para próximo de meu nariz e aspirei o odor metálico e gelado, para, então, perceber que chegara a hora certa.
O coração acelerou e doses hipnóticas de adrenalina foram lançadas pelas minhas veias, implorando: fuja! Mas não. Parecia que toda minha existência tinha se estreitado a um grau impossível e não pude recuar. Deixando, então, que meu verdadeiro momento se despisse, transformei o ambiente. O quarto se tornou um breu, frio e barulhento, bloqueando meus sentidos. Estava tão frio que meu tato sumira, tão escuro que meus olhos perderam o foco e o volume do que eu sentia era tão gritante, que meus tímpanos cederam. No meu nariz - o único que insistia em permanecer funcionando - só me vinha aquele cheiro doce e cítrico, que foi, por meses, tão familiar. Aspirei aquilo tudo com o desespero de quem perde o ar, aproximei o material do lado esquerdo do meu peito, encaixei o dedo na argola e:
- BUM!
Bateram na porta. Mas não tive tempo de olhar para trás. Os barulhos se anularam.
E só restou a lua, sorrindo, e umas poucas serpentinas se desmanchando no rubro chão manchado.
Até mais ler.