Bad-Hair Day |
Aí você acorda com aquele despertador insuportável do seu celular e pensa que já é hora de comprar um outro. Outro despertador e não outro celular, afinal de contas, já se foram mais de quatro mil reais com esses aparelhinhos, e você está feliz com seu Nokia 1100. Aperta qualquer botão e desativa o "modo soneca". Vira-se para a direita e pensa que está com muito sono, vira-se para a esquerda e se estica até todas as suas juntas entoarem em uníssono um orgasmático "crec". Coça os olhos com a palma das mãos, boceja até a sua articulação têmporo-mandibular estralar, respira fundo e levanta num pulo, para que a vontade de abraçar seu travesseiro não seja mais rápida que você.
Segue até o banheiro e se olha no espelho: medo! E enquanto escova os dentes procura descobrir se aquela aparência decadente é devido ao susto que levou ao analisar todas as dobras da fronha desenhadas em sua testa, ou se aquele pesadelo em que você é desfigurada por um erro estético tivera realmente acontecido. Mas, enfim, descobre que não: suas olheiras estão mais roxas que as de um boxeador nocauteado, seus olhos estão inchados e seu cabelo... ah, o seu cabelo! Nesse dia ele resolve amanhecer amassado do lado esquerdo da franja, meio levantadinho no topo da cabeça e cheio de frizz. Imagine que aquela mocinha da propaganda do Garnier Fructis tenha colocado o pezinho na piscina e se apoderado de sua alma. Mas você ainda acha que há uma salvação e pensa: vou lavar a cabeça.
Entra debaixo do chuveiro e escolhe a dedo o shampoo e os quatro condicionadores que irão lambuzar suas medeixas. Impossível que essa mistureba não resolva. Usa um por um e deixa cada condicionador agir por cinco minutos. Nessas horas, por mais que a consciência pese, você pensa: eu compenso a água que estou gastando hoje com aquela ducha rapidinha amanhã. Sai do banho achando que resolveu o problema, mas só por precaução passa o hidratante capilar sem enxágüe que a biba do seu cabeleireiro indicou. Duas vezes.
Veste a roupa de quase sempre, coloca uma argola em cada orelha, o bracelete de madeira e os três anéis. Mochila nas costas e segue seu rumo em direção ao ponto de ônibus. Um sol baiano de derreter inclusive o hidratante sem enxágüe. E a cada passo você deduz que seu cabelo não só ficará sem frizz, como ficará tão liso que irá grudar na cabeça, como se não o lavasse há duas semanas e meia. Pra ajudar, você dá um tropeção justo hoje que decidiu que iria usar sua rasteirinha nova, e além de perder um pedaço do dedão no asfalto, perde também a ponta da sandália. Ao chegar no ponto vê que as nuvens começam a querer ocultar o sol e pensa: ufa, sombra! Mas não! Começa o maior toró de todos os tempos em menos de dois segundos e o motorista resolve atrasar. Quando ele finalmente chega, você se senta em qualquer banco e curte sua umidade juntamente com a pior sauna do mundo: a de ônibus fechado com respiração humana.
Dentro do ônibus você sente todas as químicas que seriam a solução, escorrendo fios abaixo pelo seu pescoço e início das costas. E se antes um cover da Medusa, agora um cover da Medusa engordurado. E se tem coisa pior que pele ressecada é pele ensebada. Sente que vai começar a chorar quando um tiozão se acomoda no banco vago ao seu lado, fedendo a trabalhador-brasileiro-em-sua-quinta-jornada-de-trabalho-na-plantação-de-mamona, e então percebe que chorar agravaria ainda mais a situação.
Ao entrar na faculdade sente como se o foco das atenções fosse você. Pra quê olhar a morena gostosinha com seu shortinho jeans Márcia Mello? Por que não secar os pingos de chuva do decote da ruivinha da biologia? Qual a função disso quando se tem uma pobre coitada oleosa e enxarcada para se rir da cara? Então você sobe até a sala de aula, senta perto da porta para fugir o mais rápido possível e quando a professora chega, ela avisa que cada um terá que apresentar um pedaço do texto que deveria ter sido lido para a aula do dia. "Texto? Qual texto!? Hoje a aula não seria expositiva?!". Sim, seria, mas os planos foram mudados ontem, quando você faltou para ir ao dentista e ninguém te avisou.
"Ei, você! Sim, você mesma... Com seus olhos fundos e apreensivos, blusa branca molhada de chuva e esse cabelo no-jen-to! Você será a primeira a apresentar!". Não adianta nem tentar contrariar, ela está decidida a foder ainda mais com seu dia. Aí você se levanta, olha para a cara dos indivíduos secos e perfumados sentados em suas carteiras secas e limpas, olha pra cara odiosa da sua professora de sorriso falso, se arrasta para a frente da sala e com as palavras carregadas de conhecimento, grita:
- VÃO TOMAR NO MEIO DOS SEUS CUZES!
E de dentro da sala da diretora, só se ouvem seus soluços piedosos:
- Eu só queria não ter acordado, dona Helena, só isso...
Mas quem é que vai acreditar que essa revolta toda é apenas parte de um bad-hair day?
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moi |
je par me Saboreando as pequenezas da vida e tornando-as grandes. Tateando letras e montando um quebra-cabeça de palavras, em busca de alguma elucidação sobre mim, sobre você, sobre o mundo...
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